– O que está esperando? – perguntei – Os outros acordarem?
– Você está maluca? – ele falou um pouco mais alto. Tapei a sua boca.
Puxei Cosmo até a cozinha espantada com o quanto ele era leve. Ele tentou destapar a boca, mas me mantive firme e não o soltei até chegarmos à cozinha.
– Não! – foi a primeira coisa que ele disse depois que destapei sua boca.
– Por quê? – fui firme.
– Você ouviu o que Neandro e Nicardo disseram! – ele estava bravo – Não vamos a lugar algum por enquanto.
– Mas eu preciso ir agora! – quase gritei.
– Não. – ele respirou fundo – Beatriz, não é nada pessoal. Eu apenas não quero confusão.
– Então me leve para Menelau! – estava começando a ficar irritada.
– Eu já disse que não! – ele também – Está parecendo criança. Pare de ser teimosa!
– Não me diga o que fazer, eu digo o que fazer e você vai me levar! – tentei não dizer isso muito alto.
– Mas você... O que você quer fazer em Menelau? – ele parecia estar baixando a guarda.
– Eu preciso resgatar o Alexis! – disse baixo.
– No bosque encantado? – ele deu um meio sorriso – Nem pensar!
– Vamos? – tentei outra estratégia – Por favor? Faz isso por mim?
– Não Beatriz! – Cosmo estava ficando chato. Por que todos adoram me irritar?
– O que custa? – insisti – Eu digo que eu te obriguei a me levar.
– Mas não é o que você está tentando fazer? – ele deu um sobressalto na voz no “fazer”.
– Está ficando nervoso? – perguntei.
– Ainda não. – ele falou baixo.
– Então está pensando em me levar? – sorri.
– Não Beatriz. – ele ficou sério.
– Então o que? – coloquei as mãos na cintura.
– Você não entende nada não é? – ele estava zangado – Sair agora, além de deixar todos preocupados, pode atrapalhar o grupo. Eu esperei muito tempo para lutar ao seu lado. Sempre te admirei e está sendo difícil recusar o seu pedido, mas eu preciso pensar na sua segurança. Não posso simplesmente te jogar no bosque encantado e te deixar a mercê da sorte que sei que não tem. Se algo acontecer a você será responsabilidade minha e eu não quero carregar esse peso.
Por um instante pensei realmente em desistir. Eu havia me lembrado de tudo, saberia me proteger. Mas ouvir as palavras de Cosmo... Senti-me culpada de certa forma. Mas eu precisava ir a Menelau. Tinha que resgatar Alexis e não podia perder mais nenhum segundo, nem que para isso e tivesse que ir sozinha para o bosque encantado.
– Tudo bem, fique! – disse – Eu vou sozinha e no submarino!
– O que? – desta vez ele gritou.
– Isso! – cochichei – Acorde todo mundo!
– Você não pode ir sozinha! – ele baixou a voz – Você não sabe como manejar aquilo.
– Mas se quem sabe não quer me ajudar...
– Você não seria capaz. – ele levantou a sobrancelha esquerda.
– Quer pagar para ver?
Ele coçou a cabeça e fez uma careta engraçada. Provavelmente concluiu que eu seria capaz e não gostou de imaginar a tragédia que seria eu dirigindo aquele submarino sozinha – levando em consideração que eu conseguiria tirar-lo do lugar.
– Vamos! – ele fez cara de derrota.
– Obrigada! – o abracei e dei um beijo em seu rosto – Vou apenas deixar um bilhete!
Linfa, Neandro, Nicardo, Tales e Thalassa
Eu estou bem. Não se preocupem comigo, voltarei logo.
Beijos e abraços
Beatriz
PS Não briguem com o Cosmo. Tive que torturar-lo para ele me levar.
Conseguimos sair sem acordar ninguém. Cosmo estava muito nervoso e quase acordou Nicardo e Tales quando quase derrubou um vaso de flores, mas no fim deu tudo certo. Ver Nicardo dormindo me deixou mal. Estava ta lindo, descansando e pensando que ainda tinha meu coração. Não sabia o que iria fazer quando tivesse que contar que havia me lembrado de Alexis.
As ruas da cidade estavam sendo vigiada por alguns guardas, mas não foi muito difícil passar por eles. O local onde o submarino estava e que foi realmente difícil. O porto estava cheio de guardas.
Passamos escondidos por grandes caixotes e por trás de pequenas casas que haviam por perto e quase fomos pegos diversas vezes. Isso até me animou um pouco, sinal de que minha sorte estava mudando.
Entramos no submarino bem rápido. Não queríamos que dessem por nossa falta enquanto o dia não amanhecesse. Precisava estar bem longe dali quando eles acordassem e, pela luz fraca das luas, isso não estava muito longe de acontecer.
O submarino estava mais rápido. Já havia recuperado todas as energias que havia perdido na ida a Calidora. Isso ajudou muito. Em pouco tempo já havíamos nos afastado de todas as fronteiras da Capital.
– O que te fez querer ir para Menelau com tanta urgência? – Cosmo perguntou da mesa de controle.
– Eu me lembrei de tudo. – respondi.
– Tudo?! – ele se espantou – Quer dizer... TUDO?
– Sim. – sorri – Me lembrei de absolutamente tudo. Cada detalhe das coisas que vivi e senti em Ofir. Está tudo de volta a minha mente.
– Mas que incrível! – Cosmo parecia muito feliz – Isso é ótimo! Mas por que não quis esperar os outros?
– Isso é uma coisa que preciso fazer sozinha! – respondi séria.
– Você vai mesmo resgatar o Alexis? – Cosmo também ficou sério – Acha que consegue?
– Acho que sei exatamente o que fazer.
– E o Nicardo? – ele perguntou devagar. Provavelmente imaginando que essa era uma pergunta delicada.
– Eu não sei ainda. –respirei fundo – Sinto-me horrível, não sei como irei dizer isso para ele. Não sei nem se conseguirei encarar-lo de novo. Não depois do que eu prometi a ele em Leander.
– Você tem realmente um grande problema nas mãos. – ele estava serio.
– Obrigado por lembrar. – fui desnecessariamente rude.
– Acha que conseguiremos entrar em Menelau? – ele perguntou – As tropas de lá devem estar conferindo cada grão de areia que entra no reino. Você tinha pensado nisso?
– Ainda não. – respondi preocupada.
– Pois é melhor começar a pensar! – ele olhava pelo binóculo – Chegaremos a Menelau no inicio da tarde.
– Estou pensando! – respondi dentando-me no sofá.
Odiava mentir, mas não estava com cabeça para pensar em um jeito de entrar em Menelau. Estava mais preocupada era com Nicardo. Ele realmente tinha todas as razões do mundo para não querer que eu recuperasse a memória. Pelo menos não toda a memória.
Eu estava planejando como deveria falar com ele. Como agir. Imaginando suas reações e sabendo que nenhuma será boa, porque nenhuma evitaria que ele se machucasse. Eu preferia que a minha escolha machucasse apenas a mim.
Fiquei imaginando se eles já teriam lido o bilhete. Nicardo com certeza vai saber para onde fui e o que aconteceu no mesmo momento. Por que as coisas têm que ser tão difíceis? Por que a vida tem que ser feita de escolhas? Por que não podemos seguir um caminho alternativo? Sempre tem que ser um caminho ou outro. Nunca existe uma terceira opção nessas situações. E eu estava me sentindo tão estranhamente mal, mas ao mesmo tempo tão estranhamente bem. Minha memória voltou, mas agora eram outros problemas que lotavam minha mente. Outros sentimentos que inundavam meu peito e outras sensações que encharcavam a minha alma. Talvez eu precisasse de um psicólogo. Ou um psiquiatra? Nunca sei a diferença de um para o outro.
Como Cosmo havia dito, no inicio da tarde já estávamos em Menelau. Ele parou o submarino em um local afastado do porto e ficou fitando o meu rosto sem parar. Por alguns instantes eu estranhei, mas depois lembrei que fiquei de dar uma solução para entrarmos em Menelau.
– Tudo bem, vamos ver... podemos ir voando? – sugeri.
– Não sei se sou bom nisso. – ele levantou a sobrancelha direita.
– Então eu vou sozinha! – eu disse indo para a porta do submarino.
– Não mesmo! – ele gritou – Eu irei te acompanhar!
– Pare com isso garoto! – sorri – Não há necessidade!
– Mas se precisar de ajuda? – ele estufou o peito – Estou pronto para defender.
– Não há necessidade. – continuei sorrindo – Eu já me lembro de tudo e já sei como me defender. Você será mais útil aqui.
– Tem certeza? – ele não parecia ofendido.
– Claro que tenho! – tentei parecer descontraída.
– Não gosto desta idéia! – ele fez bico.
– Não precisa se preocupar! – dei um tapa leve no ombro dele – Eu vou ficar bem!
– Jura? – ele perguntou.
– Juro! – selei o juramento beijando os dedos.
– Então leve o comunicador com você! – ele pegou um dos comunicadores que estava em uma gaveta – Sentirei melhor se levar.
– Se você se sentirá melhor...
– Mas é para usar mesmo! – ele segurou um pouco o comunicador – Seja para dizer que está voltando.
– Tudo bem! – achei graça – Está parecendo a minha mãe.
– No momento eu sou o responsável por você! – ele sorriu.
– Mmm Papi. – fiz biquinho.
– Isso é serio! – ele sorriu e deu um leve empurrou no meu ombro direito.
– Tudo bem! – abri a porta do submarino.
– Cuide-se e tente não demorar! – ele gritou antes de eu sair.
– Pode deixar! – gritei já do lado de fora.
O som do vento era forte em meus ouvidos. As ondas do mar também mostravam presentes. Olhando lá de cima, o oceano tão azul e o céu tão claro e quase impossível pensar que uma grande guerra está acontecendo. Era tudo tão lindo e tranquilo, a sensação de liberdade era tão grande enquanto voava que quase me esqueci de que Bianor estava prestes a destruir tudo aquilo.
Voei um pouco mais alto quando me aproximei de Menelau. Não queria correr o risco de ser identificada. Havia pássaros voando ao meu lado. Grandes pássaros, livres e felizes. Eu não podia deixar que toda essa beleza e magia que existe em Ofir pudessem acabar.
Fui descendo ao poucos quando avistei o bosque. Não havia muitas pessoas naquela região, o que eu já esperava. Resolvi descer e me apressar.
A entrada do bosque era exatamente como eu me lembrava.
A entrada do inicio do bosque continuava igual. A madeira pendurada por dois troncos, a escadaria. Estava tudo do mesmo jeito.
Cheguei perto da entrada e passei a mão no lado das madeiras tentando encontrar as paredes invisíveis. Mas elas não estavam lá. O que será que havia acontecido?
Quando passei pelo portal tive uma desagradável surpresa. Estava completamente diferente do que se via fora do portal. O local estava escuro e chovia muito. As folhas das árvores estavam todas pretas e os troncos eram um marrom acinzentado. A escadaria era um grande morro de barro e o chão estava coberto de lama e folhas secas.
Corri o mais rápido que pude e fiquei desesperadamente gritando por Alexis. Eu podia sentir-lo, mas não sabia onde encontrar-lo. Eu estava apavorada e sem saber o que fazer.
De repente notei que não sabia mais por onde eu havia entrado e que não fazia idéia de onde havia me metido. Era tudo igual a tudo e ao mesmo tempo. Eu andava, andava e andava e parecia nunca chegar a lugar nenhum. Gritei novamente desesperada por Alexis, até que olhos surgiram das árvores. Vários olhos brilhantes.
– Os seres do bosque! – me lembrei – Seres do bosque? Lembram-se de mim? Eu e meus amigos salvamos vocês uma vez do dragão que perturbava vocês. Poderiam me ajudar?
Como imaginei, eram eles. Vários seres pequenos e de pés gordos caíram da árvore e formaram um circulo ao meu redor. Então o chefe saiu do meio deles e veio falar comigo.
– O que querer você? – ele perguntou – Problemas demais. Embora queremos que vá!
– Eu queria uma ajuda! – disse tentando parecer amiga.
– Lembrar de você todos nós. – ele não parecia feliz – Você e amigos de você trazer a destruição para nós. Não querer ajudar você! Embora queremos que vá!
– Embora, embora, embora! – os outros repetiram.
– Não! – gritei – Não foi culpa minha. Não foi culpa nossa! – Desde que matar dragão, tudo de ruim aconteceu com nós. Querer vocês destruir povo nosso. Não poder deixar que faça de novo.
– Vocês não entendem? – fiquei assustada – Não foi culpa minha. Eu ajudei vocês. Isso é culpa de Bianor! Conhecem Bianor?
– Não saber quem é Bianor. – ele respondeu híspido.
– Por favor, apenas me digam, um daqueles amigos meus veio para cá?
– O rebelde? – o chefe perguntou com nojo – Ele não querer virar ser do bosque. Magia que protegia o bosque está enfraquecida, mas ainda transforma os perdidos. Apenas ele não virar ser do bosque.
– Por favor, poderiam me levar até ele? – tentei ser esperançosa.
– Não saber nós. – o chefe pensava – O que ganhar em ajudar?
– Eu prometo que se me levarem até ele eu os ajudarei a fazer com que no bosque seja como era antes.
– Prometer? – o chefe perguntou. – Sim, mas provar você que irá cumprir fazendo ritual de promessa.
– Ritual? – estranhei – Que tipo de ritual?
– Beijar pé meu! – o chefe levantou o pé.
Aquele era o pé mais nojento e fedido que eu já havia visto. Ele tinha uma forma arredondada e era gordo por causa das varias bolhas que tinha. O pé era cheio de cortes e cicatrizes e tinha restos de coisas que preferia nem imaginar.
– Beijar ou não beijar? – o chefe perguntou.
– Desde que eu não me esqueça de socar o Alexis por isso. – estava tomando coragem – Vamos lá.
Abaixei-me e segurei o pé do chefe. Apenas olhar para aquilo já me embrulhava o estomago. Mas precisava resgatar o Alexis e se esse era o preço... poderia ser coisa bem pior. Fui me preparando para beijar, quando uma mão me impede.
– Brincadeira ser isso! – o chefe gargalhou e todos o acompanharam – Não ser ritual nenhum. Teste apenas ser. Querer ver se coragem tinha. Disposta estava mesmo, ganhar voto de confiança.
Confesso que não consegui esconder o quão aliviada eu estava quando o chefe disse isso. Seria uma experiência traumática e que eu não conseguiria apagar nunca da minha memória, nem se eu fosse e voltasse de Ofir mil vezes.
Os seres da floresta me levaram para dentro de um tronco e um lugar completamente diferente apareceu.
– No fundo acreditar em você eu sinto. – o chefe falou – Apenas querer nós alguém para culpar.
O esconderijo dos seres da floresta era como uma grande casa. Tudo era feito de troncos. Haviam vários quartos, mas todos ficavam a mostra, como se fosse casa de boneca. Muitos corriam pelos corredores, entre os vários andares, enquanto outros trabalhavam em um tipo de grande máquina.
– Achar você pode? – ele perguntou.
– O que? – estranhei.
– Ele aqui estar! – o chefe sorriu – Agora achar você onde ele está.
– Obrigada. – sorri sarcástica.
– Mas amigo seu não ser mais igual como lembrar. – o chefe falou – Amigo seu ser um de nós agora. Não inteiro, mas ser ainda um de nós.